25 de ago. de 2008

.li e recomendo: um sopro de vida (clarice lispector)

(excerto que ela escreveu para/sobre mim):


"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto — e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever te­nho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras — quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Meditação leve e terna sobre o nada. Escrevo quase que totalmente liberto de meu corpo. É como se este estivesse em levitação. Meu espírito está vazio por causa de tanta felicidade. Estou tendo uma liber­dade íntima que só se compara a um cavalgar sem destino pelos campos afora. Estou livre de destino. Será o meu destino alcançar a liberdade? não há uma ruga no meu espírito que se espraia em leves espumas. Não estou mais acossado. Isto é a graça.

Estou ouvindo música. Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia, refluindo e fluindo. Bach é matemático. Mozart é o divino impessoal. Chopin conta a sua vida mais íntima. Schoenberg, através de seu eu, atinge o clássico eu de todo o mundo. Beetho­ven é a emulsão humana em tempestade procurando o divino e só o alcançando na morte. Quanto a mim, que não peço música, só chego ao limiar da palavra nova. Sem coragem de expô-la. Meu vocabulário é tris­te e às vezes wagneriano-polifônico-paranóico. Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma pai­sagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Quero escrever esquálido e estrutural como o re­sultado de esquadros, compassos e agudos ângulos de estreito enigmático triângulo.

"Escrever" existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê — é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim:?

Será que estou me traindo? será que estou des­viando o curso de um rio? Tenho que ter confiança nesse rio abundante. Ou será que ponho uma barreira no curso de um rio? Tento abrir as comportas, quero ver a água jorrar com ímpeto. Quero que cada frase deste seja um clímax.

Eu tenho que ter paciência pois os frutos serão surpreendentes."

22 de ago. de 2008

.dinâmica.

.na calada da noite que me acho.

no escuro que eu calado me leio.

linha a linha, no passe dos passos do escuro.

e toda a negridão me devora roendo páginas e linhas.





linhas que costuram meu corpo grudado pulsante na alma.

alma que pulsante jamais sente-se presa ao corpo a que pertence.

e os pertences de mim mesmo tão pobres e tão ineficientes

que me sinto um cego desesperado, roído em traças,

lendo em braile, sem jamais ter visto uma luz,

na calada da noite e no calar de leituras que gritam.

14 de ago. de 2008

.ufa.

Sabe o que eu queria, na maior parte do tempo?

Ser a pessoa mais cética do mundo.

Não acreditar em absolutamente nada.

Talvez eu virasse um vegetal, mas com certeza eu não sentiria tanta dor de cabeça.




Tenho medo das minhas visões.