30 de dez. de 2008

.ju.

e tudo isso é todo nada.
não há mais fotos como rastros
imensos arranhacéus
sopra uma luz milenar que é o mesmo
que um grito imenso num buraco negro
grãos de arroz voltam no tempo antes do casamento
cães pequenos estão perdidos
meninos arranhados com o susto
do nunca e mesmo assim os fractais.
Tudo isso é todo nada.
apenas um impossível e angustiado
assovio
para dentro
mas você insiste
em acontecer.

( Lígia Winter)

3 de nov. de 2008

.saudade.

todo dia te vejo onde não tem
qualquer possibilidade de pretexto.

te toco, faz de conta, me tocando,
contando as polegadas da tua pele quente,
tiritando de sei lá o quê na minha.

invento um contexto.

depois me percebo
acordando de um sonho que é imenso
e rarefeito,
mas menor do que escrevo
até à altura dos meus sentimentos.

31 de out. de 2008

.hipocrisia.

Eu só queria hibernar por uns dois ou três anos, e depois ver como tudo estaria. Acho que assim o impacto das coisas não seria como essa faca que corta afiada um pedacinho da minha dignidade, e faz sangrar gota por gota aquilo que sinto.


O problema de tudo sempre são os outros... será? Acho que sou eu, sou eu e sou eu. O EUZINHO aqui. Assim, no diminutivo. no insignificante significado de nem sei o quê.


Relaxem, estou bem. Só quero ser hipócrita ao ponto de me tornar malvado.

25 de out. de 2008

.sentimental.

talvez eu não seja a pessoa certa pra vc. talvez eu não te mereça, em todas as suas imperfeições. talvez eu não tenha culhão suficiente pra (re)viver tanta coisa, tanta turbulência, tanto processo mágico e intempestuoso de duas almas se chocando em guerra de egos malditos.

tudo, tudo isso. a dor, o medo, a solidão, o amor pulsando acima.


aquele amor que eu sempre te disse, daquele jeito, com aqueles apelidos, com aquela voz, com aquele olho brilhando, com aquela vontade louca de que tudo fosse ali e mais nada. de que minha vida seja você e mais nada. que seja tudo, que seja completa, que seja necessária, que tenha senso e sentido.cor e cheiro. o teu cheiro.


eis o amor, em suas imperfeitas verborragias, perfeitos ocasos.

25 de ago. de 2008

.li e recomendo: um sopro de vida (clarice lispector)

(excerto que ela escreveu para/sobre mim):


"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto — e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever te­nho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras — quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Meditação leve e terna sobre o nada. Escrevo quase que totalmente liberto de meu corpo. É como se este estivesse em levitação. Meu espírito está vazio por causa de tanta felicidade. Estou tendo uma liber­dade íntima que só se compara a um cavalgar sem destino pelos campos afora. Estou livre de destino. Será o meu destino alcançar a liberdade? não há uma ruga no meu espírito que se espraia em leves espumas. Não estou mais acossado. Isto é a graça.

Estou ouvindo música. Debussy usa as espumas do mar morrendo na areia, refluindo e fluindo. Bach é matemático. Mozart é o divino impessoal. Chopin conta a sua vida mais íntima. Schoenberg, através de seu eu, atinge o clássico eu de todo o mundo. Beetho­ven é a emulsão humana em tempestade procurando o divino e só o alcançando na morte. Quanto a mim, que não peço música, só chego ao limiar da palavra nova. Sem coragem de expô-la. Meu vocabulário é tris­te e às vezes wagneriano-polifônico-paranóico. Escrevo muito simples e muito nu. Por isso fere. Sou uma pai­sagem cinzenta e azul. Elevo-me na fonte seca e na luz fria.

Quero escrever esquálido e estrutural como o re­sultado de esquadros, compassos e agudos ângulos de estreito enigmático triângulo.

"Escrever" existe por si mesmo? Não. É apenas o reflexo de uma coisa que pergunta. Eu trabalho com o inesperado. Escrevo como escrevo sem saber como e por quê — é por fatalidade de voz. O meu timbre sou eu. Escrever é uma indagação. É assim:?

Será que estou me traindo? será que estou des­viando o curso de um rio? Tenho que ter confiança nesse rio abundante. Ou será que ponho uma barreira no curso de um rio? Tento abrir as comportas, quero ver a água jorrar com ímpeto. Quero que cada frase deste seja um clímax.

Eu tenho que ter paciência pois os frutos serão surpreendentes."

22 de ago. de 2008

.dinâmica.

.na calada da noite que me acho.

no escuro que eu calado me leio.

linha a linha, no passe dos passos do escuro.

e toda a negridão me devora roendo páginas e linhas.





linhas que costuram meu corpo grudado pulsante na alma.

alma que pulsante jamais sente-se presa ao corpo a que pertence.

e os pertences de mim mesmo tão pobres e tão ineficientes

que me sinto um cego desesperado, roído em traças,

lendo em braile, sem jamais ter visto uma luz,

na calada da noite e no calar de leituras que gritam.

14 de ago. de 2008

.ufa.

Sabe o que eu queria, na maior parte do tempo?

Ser a pessoa mais cética do mundo.

Não acreditar em absolutamente nada.

Talvez eu virasse um vegetal, mas com certeza eu não sentiria tanta dor de cabeça.




Tenho medo das minhas visões.

13 de jul. de 2008

.elke, absurdamente provocativa e inteligente.


Em recente entrevista, perguntaram pra essa beleza de cabeça:



Pergunta: Você nasceu em fevereiro de 1945 e é filha de um russo e uma alemã que se conheceram no combate. Você acredita mais na guerra ou na paz?


"Sou filha da guerra. Acredito na paz, mas nós não estamos prontos para ela. A gente não pode ter paz por enquanto. Não agüento as pessoas que ficam pedindo paz, paz, paz. Quando um nobre, como minha mãe, casaria com um russo fodido? Só na guerra mesmo. Na guerra, ninguém é nada, ninguém é rico, nem nobre, nem porra nenhuma. A guerra nos nivela. No Brasil, o fato é que nós só excluímos, excluímos, excluímos pessoas... E não preciso ser socióloga para saber o elementar: se tenho um brinquedo e não divido com meu irmãozinho, um dia ele vai pegar o brinquedo na porrada. E é isso que nós fizemos. Nós somos bonzinhos [diz em tom irônico], mas deixamos nossos irmãos na fila do Inamps."






fica a dica pra "pençar".

10 de jul. de 2008

.O que ando fazendo.

Dei pra ouvir, incansavelmente, música erudita. Em especial, o primeiro movimento da bachiana número 4 (Villa-lobos), e o andante cantabile opus 11 de Tchaikovsky.

Dei pra ler, ininterruptamente, poesia. Em especial, Álvaro de Campos, o que me acerta mais em cheio as feridinhas da alma.

Feridinhas que dei pra sentir, agoniadamente, a cada frustração e provação vivida.

E por que? Porque a vida às vezes cansa, e às vezes me diz tudo. Num lampejo que nem sempre consigo captar, de tão fulgás que é, mas me diz. Tudo. Tudo que sempre quis saber.

E é nesse lampejo que sorrio além do habitual, mas baixinho. Lá dentro do coração, só pra mim. Na hora que aprendo coisas. E as deixo, como criança pequena fazendo trela, bem escondidas, onde só eu saberei achar: ao som destas músicas e de um aparente cansaço vital; que transborda quando Álvaro apenas transcreve o que eu digo baixinho pra ele:


Mas eu, em cuja alma se refletem
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagônicas e absurdas se sucedem —
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstrato, eu o projetado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto
Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...




Mas um cansaço por não aprender a viver. Pois preciso deixar de ser egoísta e aceitar o mundo com todas suas magníficas imperfeições. Às vezes acho que me cobro demais, sabia? Ou cobro demais de tudo?

Meu narizinho vem abaixo.

E em todos os concertos que tenho ido, tenho chorado absurdamente ao som de músicas como esta, ouvidas ao vivo e que abafaram milhares de gritos meus.

4 de jul. de 2008

. resumão .

a gente finge que tá tudo bem, engole o choro, e bola pra frente, que atrás vem gente.

30 de jun. de 2008

.viva la vida!.




"tão leve deve ser meu coração, minha essência, que dá até medo de voar - como um padre, por exemplo, que fez isso com balões... artifícios de substituição??


e se eu voar, me perder e sumir pra sempre?".

28 de jun. de 2008

.carente profissional.

É ele, o grande poeta marginal, o Cazuza, que fala de coisas nada marginais.
É ele, que fala por mim hoje.

E é ela, Ana Cañas, no auge de seu vigor e talento (que mulher é essa, meu deus?), que traduz na voz essa puta poesia:


http://www.youtube.com/watch?v=HW2t28cE5-8


Tudo azul
No céu desbotado
E a alma lavada
Sem ter onde secar
Eu corro
Eu berro
Nem dopante me dopa
A vida me endoida

Eu mereço um lugar ao sol
Mereço
Ganhar pra ser
Carente profissional

Se eu vou pra casa
Vai faltando um pedaço
Se eu fico, eu venço
Eu ganho pelo cansaço
Dois olhos verdes
Da cor da fumaça
E o veneno da raça

Eu mereço um lugar ao sol
Mereço
Ganhar pra ser
Carente profissional

Levando em frente
Um coração dependente
Viciado em amar errado

24 de jun. de 2008

. ... .

em cada palavra pulsa um coração.
em cada momento, meu, pulso mais por vida, e sei que correspondo.

a cada batida do meu coração o pulso que eu sinto torna-se mais intenso.
a cada correspondência feita analiso as palavras pulsantes.

concluindo que
[eu só queria ser feliz assim como não sou.
a bem da verdade, eu só queria ter a calma dos pequenos poetas, pra viver sossegado com poemas medíocres.

11 de jun. de 2008

.sinto pela distância, mas com a alma a gente se entende. .


d
e um cais para o outro
eu de um lado, ela do outro,
a gente vê o inevitável passar:
o rio mofado dizendo coisas no seu silêncio de pesado
e a gente se olhando, se olhando, não dizendo mais nada;
- então juntos, braços estendidos um para o outro,
formamos das mãos, do coração e do lodo
a ponte que solidamente nos une
de um cais para o outro, o amor afinal.


(para felicidade igual a amor).

9 de jun. de 2008

.quarto vazio.

Nunca implorei solidão sentimental.

A bem da verdade, sempre quis dizer que amava, com a paciência de um sábio, as coisas mais insanamente belas desta vida.

Porém, nunca um arrependimento forçou tanto uma dor que já me era natural.

Meus dentes que o digam; meus dentes estão todos podres, de uma culpa quieta. Mas pesada. De tantos sorrisos amarelos gastos no tempo que eu implorava pra voar.

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Concluindo-se: que sempre quis dizer daí que te amava. Tu, alma de dentes claros qual a chuva.

Mas também eu não poderia chegar assim e amar-te como se ama... sei lá, um guarda-chuva? Também depende do contexto de amor. E da chuva que faz de surpresa a gente amar mais que nunca um guarda-chuva, assim como dois mais dois são quatro e o amor se resume no dois mais três cinco.

Eu só queria amar-te assim como eu amo.

Eu só queria sorrir com dentes brancos.

Só assim eu sentiria a chuva, tonto tonto de amor.

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(mas a gripe quem sabe eu sentisse).

8 de jun. de 2008

.boa vista.

Flores. Dores.
Certa vez visitei o mercado das flores.
O perfume exalado era de rua.
Uma mãe chorava o filho morto comprando lírios
e a vendedora sorria com a nota fubenta recebida de um real.
Uma rosa chorava murcha seu fim pisada no chão
E o cravo magoava intenso em algum espinho de minha alma
um saraband de Bach para eu jamais esquecer
aquilo o que atordoa:
o mercado das flores,
o bar da Cachorra logo na frente,
com dúzias de homens, galhos secos
Embebidos no álcool e com semblantes de esterco
jogados ao nada na vida dura do Recife.

5 de jun. de 2008

.momento.

Neste momento
seria muito mais fácil falar de estrelas
simplesmente estrelas
carudmes perdidos da última noite cheia de lua.

Ou cairia melhor
simplesmente melhor falar de discos
músicas
a última do mês
(músicas e quedas)
cairia melhor, primeiramente.

Nada me escapa às mãos.
As próprias é que me escapam
dissolvem conversas na boca
como pastilhas de tato,
ultimamente.

É assim, tem sido assim, que momento é este, meu Deus?
Boca árdua, infatigável, de não dizer de céus, estrelas, cardumes, radiolas, deslizes e coisas
sempre, sempre, sempre. Sempre neste momento gélido.
E onde está a boca que não quer calar? a consciência da fuga levou-a.

Mãos, mãos. Simplesmente elas, fugidias, errantes por paz, sossegadas de tanto tremor
querem falar e não conseguem
permitem-se hablar dores à causa injusta
de um toque não vindo, não ido, não verbal -

"as mãos escapulidas morrem com todo o afago do silêncio inexistente".


E por elas? Isto é indagação.
Estão nas estrelas, cardumes perdidos da última noite cheia de lua.
Estão no disco que eu gosto
Músicas
Sempre
Isto é resposta.


A dúvida eterna e intensa, a dívida dos desesperados - isto é a resposta.
É apenas tudo isso em somente um momento.
Tão pouco instante que perpetua minha vida.

3 de jun. de 2008

.só assim eu soube.

me olhei tão fundo
nos outros olhos, os do amado
que caí de voraz e tudo
na perdição de um abismo com fim -
caí, caí, caí e alcancei
cheguei sem ser ileso nos poros de su´alma -
me destruiu só usando suas retinas cortantes
e eu me misturei naquele sangue
bebi das delícias que o fazem
e morri, morri, morri num beijo tão preemente
(olhando aqueles olhos)
que ali mesmo eu jazi,
fundido nos poros daquela alma incandescente.

31 de mai. de 2008

.amanda lepore.





diva-mor, referências artísticas e fotográficas (no post, ambas de david la chapelle).


a-m-o.

30 de mai. de 2008

.pedaços [2].




"Trancar o dedo numa porta dói.

Bater com o queixo no chão dói.

Torcer o tornozelo dói.

Um tapa, um soco, um pontapé, doem.

Dói bater a cabeça na quina da mesa,

Dói morder a língua, dói cólica, cárie.



Mas o que mais dói é a saudade.

Saudade de uma irmã que está longe.

Saudade de uma cachoeira da infância.

Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.

Saudade do pai que mora longe,

do amigo imaginário que nunca existiu.

Saudade de uma cidade.

Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.



Doem essas saudades todas.



Mas a saudade mais dolorida, é a saudade de quem se ama.

Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.

Saudade da presença, e até da ausência consentida.



Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem,

mas sabiam-se lá.

Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade,

mas sabiam-se onde.

Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem te ver,

mas sabiam-se amanhã.



Saudade é basicamente não saber.

Saudade é não saber mesmo!



Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos

Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento

Não saber como frear as lágrimas diante de uma música

Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.



É pensar no bem que ela te fez sem se dar conta,

é pensar no bem que ela continua te fazendo

mesmo de longe,

mesmo doendo."


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Ai, descobri este texto através de Ju, grande amiga de todos os tempos e horas... e não é que o desgraçado disse tudo que eu tava sentindo? Ê, bálsamo miserável! sim, pq a onda sentimentalóide ainda continua. E, enquanto não passa, kate nash no som ajuda.

29 de mai. de 2008

.pedaços.




a
saudade longa infinda
o tempo escorrendo calado no seu momento de vazio
e a angústia cantando besteiras pra eu não dormir.

o relógio eternizando mil segundos sem instantes
nossa ânsia física doendo no corpo e na distância
e as peles que falariam mais suaves que esta respiração ofegante de saudade.

ah, a herança que me perpetuaria e deixaria teu toque...


a porta que ri bate e volta no tempo
a solidão do espaço repleto de lembranças tuas
e eu quase desesperado rindo baixinho pra te ter.


ah, pra me ver dentro de você de uma vez e sem ser só...


- a vida enfim repleta, de pedaços teus, e de amor.






(ok, acordei sentimentalóide hoje. Acima do normal).
(foto: MAC, Olinda).

28 de mai. de 2008

.la la la la la la la... .

E não é que hoje é o aniversário da Kylie Minogue? Meu vício pop que grudou de um jeito "indesgrudável", rs... pela sua feminilidade, charme, referências culturais e seu som pop mais alternativo. Pois sim, pra mim ela vai ser sempre a melhor.

Confesso que descobri uma faixa meio esquecida dela, um b-side de 2000, chamado Ocean Blue... "unreleased" do álbum fodástico "light years", homenagem da diva aos anos 70. E esta faixa, acima da média, não consigo parar de ouvir. Acho a melodia linda demais... melancólica... além da letra, de uma simplicidade que me faz refletir em muitas situações complexas.

A nível de curiosidade (e de homenagem, claro - pois fazer 40 com cara de 20 e tantos, fora um câncer curado, não é pra qualquer um), deixarei aqui por minha conta a letra traduzida e mais um vídeo que eu acho espetacular - produção dela com o dj japonês Towa Tei, GBI.

vida longa, kylie! je t´aime.

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Ocean Blue

Tudo leva ainda algum tempo,
e memórias sempre me levam pra longe...
Para onde o sol está dançando no mar
E eu agradeço a deus por isso.

Oceano Azul
(Azul meu céu),
Chamar por você
Colore minha mente.

Flutuando no tempo
E pensando em você,
Oceano azul.

Analisando minhas questões,
O silêncio mostra-me os caminhos...
Fazendo minha marca amanhã
Fazendo nada hoje.

Flutuando no tempo,
Pensando em você,
Oceano azul.

Vivendo e sonhando, sempre acreditando...
Agradeço a deus por isso.




GBI: http://br.youtube.com/watch?v=97_CP-bf6h8

25 de mai. de 2008

.domingo.

Esta foi no Rio de Janeiro... também em um domingo. Eu tão longe de casa. Minha casa gritando de saudade, dentro do coraçãozinho apertado.


Pois bem: após uma manhã de chuva e quatorze graus, o final de tarde se abre num sol lindo (coisas do tempo louco do Rio) e eu fui direto pro calçadão da praia... pensar na vida, pedalar, essas coisas de sempre.

Ao longe, escuto um batuque que me é muito familiar... mas achei que ele estava dentro do meu mundinho de pensamentos... não era possível, ali, em pleno sudeste, estar ouvindo um... um... MARACATU?


Apressei os passos, precisava ver aquilo já que os ouvidos não estavam crendo no que ouviam. E não é que era mesmo um maracatu, de um pernambucano radicado na cidade há anos?


Não sei se foi coincidência, porque neste dia a saudade de casa estava grande... e por isso nem senti quando, parado, com o pôr-do-sol ao fundo no Morro de Dois Irmãos, a primeira lágrima rolou.


Celular em punho, interurbano. Destino: Recife.


- Alô? Minha Linda! Está ouvindo?

- Diegoo! É samba? Não dá pra ouvir direito...

- Vou chegar mais perto pra você ouvir... (aproximo-me). E agora? Está melhor?

- Ahhh, maracatu? como assim? Está em Recife?

- Recife está na minha alma, assim como você está no meu coração e não poderia deixar de ligar neste momento. Porque você precisava ouvir isto comigo, mesmo a 2000 km de distância.



E choramos juntos.

23 de mai. de 2008

.assisti e indico: XXY.




Vi este filme ainda ano passado, na mostra Expectativa/Retrospectiva da Fundaj aqui em Recife. E a reação da platéia foi tão contraditória, com risos maliciosos, que eu ainda não consigo visualizar o porquê de tanto preconceito existente, sobretudo quando o hermafroditismo é tratado como neste filme, de forma tão natural.

Escrito e dirigido por Lucia Puenzo, XXY é baseado no conto Cinismo, do escritor argentino Sergio Bizzio, que é marido da diretora. Foi o grande vencedor da Semana de Críticos de Cannes ano passado.

O florescer da sexualidade pode ser abordado de muitas formas pelo cinema, mas este filme – co-produzido entre Espanha e Argentina – encontra uma forma única de abordar um drama desse gênero ao explorar de forma delicada como uma menina de 15 anos é capaz de enfrentar o fato de ser hermafrodita.

Alex (Inés Efron) vive num povoado de pescadores no Uruguai. Seus pais, Suli (Valeria Bertuccelli) e Kraken (Ricardo Darín, de Nove Rainhas), moravam em Buenos Aires (Argentina), mas, com o nascimento da filha hermafrodita, resolveram mudar-se para o povoado a fim de manter-se longe dos olhos preconceituosos da sociedade. A ação de XXY tem início quando Erika (Carolina Pelleritti), amiga de Suli, viaja ao Uruguai acompanhada por seu marido médico Ramiro (Germán Palácios) e o filho adolescente Alvaro (Martín Piroyansky). A visita da família tem como objetivo definir de vez o gênero de Alex: com os dois órgãos sexuais, ela tem de decidir se quer ser homem ou mulher, escolha concretizada por meio de uma cirurgia.

Ao invés de explorar o drama que envolve a protagonista por conta da escolha, XXY prefere tratar a situação de uma forma sincera e honesta, abordando os tipos de problemas que qualquer outro adolescente teria: o sexo, a vergonha em relação ao próprio corpo, a insatisfação com a vida. Claro que todos esses problemas são únicos em relação a Alex por conta de sua situação. O filme se passa muito próximo ao mar, onde existem espécies naturalmente hermafroditas, como os cavalos marinhos, como uma forma de aproximar a personagem à “normalidade”.

Todos os dramas do longa são tratados de forma digna, como se os personagens sofressem sempre sozinhos. Por isso, sua boa interpretação é crucial para que o espectador emocione-se de forma quase que involuntária. XXY passa longe de qualquer tipo de sensacionalismo que o tema poderia acarretar e esse é um dos grandes méritos do filme, dirigido por Lucia Puenzo. Tudo é desenvolvido tendo como base a situação psicológica de cada personagem; por isso, são todos muito bem-desenvolvidos, com destaque para a atuação fria e contida de Ricardo Darín, que dá a densidade necessária ao seu papel.

Pois bem, eis que o filmaço volta a fundaj. Corram. E reflitam.




(fontes: yahoo cinema, cineplayers).


22 de mai. de 2008

.feriado e sensação de borboleta.


Fernando Pessoa sempre me toca as feridas no epicentro, naquele ponto certeiro que dá uma dor desgraçada. Mas ele sempre salva meus dias.



"É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada."



foto: Olinda, cidade alta, Recife ao fundo.

20 de mai. de 2008

.ah,mar.

Hoje eu vi o mar. É, o mar. E estava tão lindo... naquela sua maresia indignada, cobrindo meus pés em toque de seda, suavidade azul-marinha. E de uma calma ampla, vagas sedutoras...

Tudo dava medo. Um medo sedutor. Porque tudo ali era tão belo. Porque eu já havia chegado com medo.

E eu com este medo corria fofo e sem fim, pela areia acordada sob pegadas, rastros perdidos de pessoas e pensamentos, e meu pensamento perdido nas pessoas - a lua gritava mansa que ali bem em cima estava, reluzindo nas minhas pupilas seu tom de lâmpada florescente. Não havia dúvidas de que ela quase me cegava, tamanho seu brilho assombroso. Brilho que cegava o espírito.Navalhava meu coração em quinze mil pedacinhos, todos levados ao mar.

- mar de prata, turquesa. verdejante. quase infinito.que chega até a áfrica.até o japão.até minha casa.até à areia.

- areia calejada de mil pés, mil vidas, mil toneladas de água e sal. sorrisos com gosto de areia.


Vai, vem. vai, quebra. vem. vem, vai. vai: e o alumbramento de estar ali vinha sem ser em pedaços, de uma vez só. e doía, de tão grande que era. mal coube neste coraçãozinho repartido, jogado ao mar e não por oferenda.



SIM, SIM, porque era uma angústia que não queria calar, entrecortada entre o barulho das ondas sem fim! e meu grito foi abafado por tanta coisa, tanto barulho, tantas ondas, meu querido deus!

Senti o peso do mar todo nas minhas costas.
Mas nem doeu, porque mal olhei pra tudo isto. O foco era o que estava por cima das pegadas: EU.EU.EU. Indo, vindo, indo e vindo. E me sentindo vivo, num ímpeto de estar passível a tantas possibilidades de caminhos: caminhos que sempre levam pro mar.

17 de mai. de 2008

.sábado, chuva, poesia e músicas.

no som: cibelle sussurra "meu amor".
lá fora: chuva.
na alma:


,é assim que tudo começa...
... e nada termina assim tão fácil
do nosso jeito.


(vírgula).



com tudo
entre tanto
toda via
-todavia-
deu para o desalento
e eu nem me alumbrei
nem me peguei rindo
só percebi
admirado
que um poema e um momento
para que venham do coração
não podem deixar de ser simples

-afinal, tão complicado é o coração.




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e mais, muito mais: Mário Quintana pra minha doce Ju.

"Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei o perfeito amor."



como palavras me tocam tanto assim? como a chuva me acalma tanto assim? e essa música, como me rasga assim no meio?


resposta nos versos do meu poema, logo lá em cima, primeiras linhas: nem sempre é fácil perceber o óbvio.

15 de mai. de 2008

.fièvre/febre.

dia de um friozinho... sinto a cama gelada, o quarto escuro...

versos vasculhados no armário, antigos e frios, são achados.


"Il y a beaucoup de froid
mais l´avidité est encore la même
la fait continue dans le coeur,
coagulante et dilacérante, comme toujors.

Por toujours.

C´est touchante, la totalité de le bonheur
Mais qui aime se traîne
A chémin de la felicité glaciale
- et sévère."

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"Há muito frio
mas a sofreguidão ainda é a mesma
a fé continua dentro do coração,
coagulante e dilacerante, como sempre.

Para sempre.

É patética, a totalidade da felicidade,
mas quem ama se arrasta
a caminho da felicidade glacial
- e severa."

13 de mai. de 2008

.arte moderna mexicana ao alcance do público recifense.




As obras de um dos mais importantes nomes da arte moderna mexicana ficarão expostas pela primeira vez no Recife. Durante três semanas, entre os próximos dias 6 e 30 deste mês, o público poderá apreciar no Museu do Estado a exposição La Muerte Ilustrada, uma série de zincografias de José Guadalupe Posada, tido como marco na arte e iconografia daquele país. A mostra é resultado de parceria entre a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe e o Consulado Geral do México no Brasil.

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Inédita no Nordeste, a mostra já circulou por conceituadas galerias de arte, como o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e a Galeria Vitrine, da Caixa Cultural, em Brasília. As peças que estarão em exposição integram o acervo de 50 peças pertencentes ao Ministério das Relações Exteriores do México. São 37 gravuras de Posada, sete feitas em parceria com o artista plástico conterrâneo Manuel Manilla, parceiro e precursor do artista, além de três obras exclusivas de Manilla e outras três de autoria desconhecida.

A morte sempre foi recorrente na obra de Posada. As zincografias - técnica de desenho sobre lâminas de zinco, criada pelo artista - que poderão ser vistas no Recife exemplificam o sentido dramático, mas irônico da temática, sempre presente na cultura mexicana. De acordo com o secretário estadual de Cultura, Ariano Suassuna, uma das características mais marcantes do artista é o vínculo estabelecido com a arte popular do seu país.

“Só estranhará a sua obsessão pela morte, refletida nos esqueletos que desenhou e viu em toda parte - até mesmo nas ações gloriosas do valoroso cavaleiro Dom Quixote de la Mancha -, quem desconhece o significado mais profundo do culto à morte para o povo mexicano. Ele é manifestado nas festas em que caveiras de açúcar e de papel são reverenciadas junto com esqueletos coloridos de fogos de artifício, casas são adornadas com crânios e pães em forma de ossos são servidos à mesa”, afirma Ariano.

Para o diretor de Difusão Cultural da Fundarpe, Adelmo Aragão, “trazer obra de Posada representa, sobretudo, um esforço significativo do mestre Ariano Suassuna, que estabeleceu uma articulação com o cônsul honorário do México no Recife, Antônio Dubeux, demonstrando o interesse do Estado em compartilhar o trabalho de um artista autor de obra tão significativa”.

História - José Guadalupe Posada nasceu no México em 1852. Ele utilizava sua arte como um instrumento de contestação durante a ditadura de Porfírio Diaz. O trabalho é composto de caricaturas políticas e ilustrações de cenas cotidianas, que demonstram o caráter satírico do gravurista. O artista foi criador da zincografia, que permite o trabalho com recursos, como luz e sombra e meios tons.

Alguns artistas, como o pintor Diego Rivera, consideram Posada “o pai da arte moderna mexicana”. Nas 20 mil gravuras que compõem sua obra, Posada realizou um trabalho plástico extremamente político, a exemplo da série Calaveras (caveiras, em espanhol), representações caricatas do cotidiano do povo mexicano e de personagens históricos e literários como Zapata e Dom Quixote. Essa série ilustra a visão do artista em relação à morte, admitida como um acontecimento essencialmente democrático, pois atinge a todos, sem distinções. Dessa forma, Posada transformou essa referência fúnebre num verdadeiro culto de resistência popular contra a opressão do governo porfirista.

Taí a sugestão: as zincografias de Posada serão expostas no Casarão do Museu do Estado, no horário das 9h às 17h, de terça a sexta-feira, e das 14h às 17h, aos sábados e domingos. O ingresso tem um valor simbólico de R$ 2,00, com meia-entrada para estudante.




.tamanho (historieta mensurada em bloquinhos).


Há "quanto", neste caso, porque não há nada para gastar:


a mãe dele comprou uma caixa, mas veio cheio de música;
guardou-a de ouros tolos, jóias ralas: era o tesouro de sua vida.
já o tesouro dele eram os livros de capa azul;
mas aí gastou-os tanto quanto quis fazê-los de livros.

Jóia. Ele era feliz e não sabia.


É o que bem dizia o velho clichê - clichê como tesouro achado num baú desses baús da mãe dele.
Mãe que: de olhos fechados o punha no colo, pausava o mundo
e abraçava a música, a caixa, ele, o mundo,
e o tanto quanto que não se pode gastar: o tamanho das coisas.

(O mundo parava bem ali, e sentiam inconscientemente que nada se mede. Tudo assusta.).


Porque eram felizes, e não sabiam.
Eram, e não sabiam.

10 de mai. de 2008

.indico: a gaivota, grupo piollin.


Super sério: há exatos quase dez anos, assisti na primeira fila do teatro Apolo, em Recife, sozinho, a peça mais linda e impactante que já vi em toda minha vida. Chamava-se Vau da Sarapalha e eu não sabia se ao final enxugava as lágrimas ou se conseguia raciocinar algo ou aplaudir fervorosamente.

O grupo responsável por tal façanha? O Piollin, da vizinha Paraíba... eis que agora voltam amanhã à cidade para apresentar um novo espetáculo, A Gaivota (sim, o clássico russo de Tchécov).

Segundo o site do grupo, a opção pelo espetáculo de Tchécov, que narra os conflitos de um jovem escritor, foi uma decisão de contrariar a tendência das companhias nordestinas de buscar constantemente conteúdos regionais. O grupo, voltado para a criação de novas linguagens cênicas e para a inclusão social, decidiu quebrar a hegemonia dos clássicos, geralmente encenados por artistas das regiões Sul e Sudeste.

O texto de Tchekov utiliza o ambiente teatral para expressar sentimentos comuns a todos os artistas, sempre em volta com as complexidades e dúvidas advindas de seu processo criativo. A metalinguagem usada, porém, está longe de interessar apenas àqueles mais familiarizados com as questões teatrais, pois os conflitos dos personagens criam uma ligação direta com o leitor/espectador ao mesmo tempo em que apresenta uma visão profunda de uma sociedade cada vez mais vulnerável aos males existenciais.

Em completa sintonia com o texto, Haroldo Rego trata destas questões em uma releitura aguçada, a partir de criativas soluções estéticas encontradas para manter um diálogo com as inquietações formais contidas em Tchekov. Neste ponto, já foi bem observado o minimalismo contido nos elementos cênicos da encenação, a começar pelo uso fascinante de um ventilador e um saco transparente de supermercado.

Não se trata de um experimento hermético e 'moderninho'. O vigor da peça está justamente na forma sóbria que o grupo lida com o texto, incorporando elementos contemporâneos sem diluir a força dos conflitos da trama. Privilegiando uma estrutura quebrada, em blocos, a 'história' é intercalada por pausas narrativas que quebram a 'ilusão de realidade' da peça e coloca o espectador num espaço-tempo não determinado.

O texto, rico em poeticidade e imagens, é encenado com paixão e frescor pelos experientes atores em cena (Ana Luisa Camino, Buda Lira, Everaldo Pontes, Nanego Lira e Paulo Soares). Essa leveza nos permite encarar uma metáfora possível para o nome da peça. 'A gaivota' representa uma harmonia estética natural, algo incompatível com a frustração encarada pelo personagem central da trama, principalmente se lembrarmos o único trecho em que a 'gaivota' é mencionada, e sua presença sugerida, no palco.

O espetáculo, que estreou em João Pessoa em setembro de 2006, passou pelo Riocenacontemporânea,em outubro de 2006 e participou também da IIa. Mostra Latino-Americana de Teatro em maio de 2007, além de ser sensação no último Festival de Teatro de Curitiba. O Piollin Grupo de Teatro comemora com esta montagem trinta anos de atuação juntamente com o seu Centro Cultural Piollin, ex-Escola Piollin, que abriga as atividades do grupo e ações no campo da arte e da educação voltadas para crianças, adolescentes e jovens de camadas populares da cidade.



No Hermilo, Às 20h.

9 de mai. de 2008

.sexta-feira.



o que pensa esta mulher, sentada em sua cadeira, olhando pela janela?

o que ela vê, o que sente, em que(m) pensa?


o que pensava o artista enquanto a pintava?

o que pensava o artista que ela pensava?


acho que ela pensava diferente dele... tão distraída, a coitada... ou preocupada? e seu rosto que eu não vejo, meu deus!




(Cícero Dias, mulher na janela. 1938)

7 de mai. de 2008

.desfile.














N
ada é do tamanho
Do que sinto agora em mim
Nada do que sinto
Foi sentido tanto assim
Só a dor constrói
Só o amor que dói
Só mas com amor
Meu mundo é maior

Nada é do tamanho
Do que já desfila em mim
Filas de escolas
Com milhões de tamborins
E eu sem ter lugar
Pra tanto bem e tanto mal
Tudo isso vem
De pedro álvares cabral
Desde os ancestrais
Desde os canibais
Desde os meus avós
Desde os meus pais
Desde que nasci
Acho natural
Tanta solidão
No esplendor do carnaval.


(Ná Ozetti)

4 de mai. de 2008

.misantropo, eu?

Eu estou chorando agora, neste exato momento, em frente a esta tela de computador. Choro de raiva, pena, sentimento de perda, (i)maturidade, vergonha, felicidade, tudo junto, é terrível chorar assim.

Por que a cidade em que moro, mesmo sendo uma das maiores do país, é tão pequena? tão redondamente minúscula? Odeio coincidências do tipo: te conheci hoje... "ah, e vc conhece fulano?" "Pois é, conheço...". E por aí vai.

Isto me enfraquece, me desgasta, um círculo de pessoas que vai se fechando claustrofobicamente e sempre tenho que lidar com pessoas que não quero, que não sinto necessidade de interagir... malditas convenções sociais, malditas convenções do coração.

Odeio mais ainda que falem de mim sem propriedade, baseados apenas em raivas (?), mágoas (?)... sei lá o quê. Odeio ver pessoas que conheci conhecendo outras que já conheço, que nem conheço... e dando referências sobre mim...

Vai saber...

O que sei é que me sinto cada vez mais longe, cada vez mais afundado em um corredor estreito, gritando fraco por socorro - e ninguém me vê... ninguém tampouco advinha que eu não tento chamar a atenção pro meu desespero... será misantropia?

Pessoas são estranhas. E falo isto baseado em meus comportamentos, não me isento de minha culpa e tampouco quero culpar a todo o mundo...

Pensei que voltar ao ponto de origem seria necessário, costurar pontos que estavam frouxos... mas eu sou covarde demais pra assumir que ainda sofro tanto.

Mas viver é aquele famoso bofete na cara... vamo que vamo que a vida continua e o que me salva neste post é a ligação neste exato momento de uma pessoa muito especial, que talvez ela nem saiba o quanto é especial pra mim! mas é... e humildemente me convida pra ver o mundo com ela, hoje.


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Ninguém é obrigado a entender patavinas, mas isto aqui também serve pra desabafar, né?
Acho bom que sirva, e tenho dito.

... ... domingo [2];

Domingão: o dia clássico pra "não fazer nada, enquanto a mente vagueia soturna pelo tédio das horas".
García Lorca, neste momento, fala por mim tudo o que está engasgado e não quer sair... é uma angústia meio velada, meio sufocante, de algo que não diz tanta coisa... ei-lo :

"Hoje sinto no coração
um vago tremor de estrelas,
mas minha senda se perde
na alma da névoa.
A luz me quebra as asas
e a dor de minha tristeza
vai molhando as recordações
na fonte da idéia.

.....Todas as rosas são brancas,
tão brancas como minha pena,
e não são as rosas brancas
porque nevou sobre elas.
Antes tiveram o íris.
Também sobre a alma neva.
A neve da alma tem
copos de beijos e cenas
que se fundiram na sombra
ou na luz de quem as pensa.

.....A neve cai das rodas,
mas a da alma fica,
e a garra dos anos
faz um sudário com elas.

.....Desfazer-se-á a neve
quando a morte nos levar?
Ou depois haverá outra neve
e outras rosas mais perfeitas?
Haverá paz entre nós
como Cristo nos ensina?
Ou nunca será possível
a solução do problema?

.....E se o amor nos engana?
Quem a vida nos alenta
se o crepúsculo nos funde
na verdadeira ciência
do Bem que quiçá não exista,
e do mal que palpita perto?

.....Se a esperança se apaga
e a Babel começa,
que tocha iluminará
os caminhos na Terra?

.....Se o azul é um sonho
que será da inocência?
Que será do coração
se o Amor não tem flechas?

.....Se a morte é a morte,
que será dos poetas
e das coisas adormecidas
que já ninguém delas se recorda?
Oh! sol das esperanças!
Água clara! Lua nova!
Corações dos meninos!
Almas rudes das pedras!
Hoje sinto no coração
um vago tremor de estrelas
e todas as coisas são
tão brancas como minha pena."(canção outonal)

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Últimos acordes neste momento da Paixão Segundo São João, de Bach. Super recomendo, é de chorar de prazer, só de se levar em cada acorde. E mais nada. Poderia passar meu domingo todo assim...

27 de abr. de 2008

possibilidades.

eu não seria esta impossibilidade de ser,
estar é tão somente acompanhar a olhos vistos a cegura da vida - a cegura que guia para o nada.
eu estava cego mas houve uma luz possível, e eu fui - não mais estava;
bem ali, impossivelmente eu era. não o era de um momento, mas um momento de eras.

somente possibilidades, escuras, opacas, curvilíneas:
desenhei retas de vidas e pontos cruzados formaram um momento.
não saberia ser ou estar, ficar, permanecer: o pior que é difícil ser algo no momento certo, com as pessoas certas, com a visão certa:
com as retas em perfeição cruzando-se em orgasmos múltiplos até cegar;
- o pior (eu só seria) se fosse calcular cego os ângulos destas retas, impossibilidades de quem não sabe e nem quer arriscar.

esforço inútil, impossível.

tanto que eu não seria, não seria este ser cego-burocrata: eu acho que só seria.

25 de abr. de 2008

escutei e indico: Maré (Adriana Calcanhotto)


Confesso que não sou fã confesso da Adriana... só gostava, em particular, de algumas músicas do cd Maritimo... mas quão foi minha surpresa ao ouvir Maré (2008), novo disco da cantora após seis anos sem pisar em um estúdio (deixando de fora o álbum infantil que fizera neste intervalo). As letras estão lindas, de uma sensibilidade e crueza dignas da dinâmica e beleza do mar...

Em vez de puxar Adriana Calcanhotto para correntezas mais agitadas, Maré situa a artista em águas plácidas que, de alguma forma, já impulsionavam o curso de sua discografia. O violão bossa-novista que introduz e pontua a faixa-título, parceria da compositora com Moreno Veloso, sinaliza o tom suave do álbum - imerso no alto padrão estético que molda a obra de Calcanhotto e que não foi transmutado pelo produtor Arto Lindsay. O piloto parece ter tido acertada discrição na condução do barco, que alterna trilhas novas e antigas. Destas, Mulher Sem Razão tem o mérito de fazer emergir uma jóia do mar de Cazuza (1958 - 1990), Dé Palmeira e Bebel Gilberto. Eleita para puxar Maré nas rádios, a música é da mesma leva de Preciso Dizer que te Amo e Mais Feliz, gravada por Calcanhotto em 1998 em seu disco, Maritmo, que mais dialoga conceitualmente com Maré, que, musicalmente, remete mais ao cool Cantada (2002). A recorrência ao cancioneiro de Dorival Caymmi é outro ponto convergente entre Maré e Maritmo, que formam as duas primeiras partes de uma trilogia idealizada por Calcanhotto durante a gestação deste seu oitavo álbum - encerrado com Sargaço Mar (1985), um fim de som adornado pelo violão doce de Gilberto Gil. A escolha desta música, uma das mais difíceis de Caymmi, indica a intenção da artista de navegar por trilhas menos óbvias. Mesmo quando canta balada radiofônica como Seu Pensamento, de letra cheia de questionamentos românticos. A música é bela parceria de Calcanhotto com o baixista Dé Palmeira.

A corrente lúdica do projeto infantil da artista, Adriana Partimpim (2004), deságua em duas grandes faixas de Maré. Um Dia Desses é surpreendente flerte com a canção ruralista do interior em que Moreno Veloso faz a segunda voz. Kassin musicou os versos de Torquato Neto (1944 - 1972) com singeleza. É o tema de maior apelo popular do álbum. Porto Alegre (Nos Braços de Calipso) se situa nestas mesmas águas lúdicas das quais emergem o canto da sereia Marisa Monte, que faz lindos vocalises neste tema latino de Péricles Cavalcanti que faz trocadilho no título com a cidade natal da cantora gaúcha. O duo com Marisa é mitológico.

Em corrente mais densa, a artista mergulha fundo nos versos de poema de Augusto de Campos, Sem Saída, musicado por Cid Campos. Pena que, ao musicar os versos revoltos de Waly Salomão (1944 - 2003) para Teu Nome Mais Secreto, a compositora não tenha mergulhado nas profundezas atingidas em Sem Saída. A melodia suave de Calcanhotto se opõe aos versos urgentes de Waly. Maré, aliás, é disco tragado por ondas poéticas de escritores como Ferreira Gullar, Antonio Cicero e Arnaldo Antunes - de quem Calcanhotto musicou com inspiração os versos de Para Lá. Cicero está representado por Três, recente parceria com a mana Marina Lima. A leitura de Calcanhotto é leve - na contramão do peso inadequado imposto por Ana Carolina à sua simultânea gravação da música - mas, das três intérpretes, Marina é a que parece, por motivos óbvios, ter compreendido mais os caminhos sinuosos de Três. Ferreira Gullar teve menos sorte: a regravação de Onde Andarás é a única faixa realmente dispensável de Maré. Novamente, Calcanhotto não mergulhou tão fundo e não expressa na gravação a extrema melancolia e desesperança dos versos de Gullar, musicados por Caetano Veloso para seu disco tropicalista de 1967. Impossível não pensar no mergulho mais profundo feito por Maria Bethânia no álbum Maria (1988). No todo, é justo reconhecer que a maré de Adriana Calcanhotto está cheia. De referências poéticas, de diálogo com as artes plásticas - como exemplifica a bela capa de Gilda Midani - e de uma modernidade que a mantém como uma das artistas mais inteligentes e refinadas de sua época. Maré não altera esse curso.






23 de abr. de 2008

assisti e indico: O Silêncio.



Duas irmãs estão no exterior a caminho de casa. Elas talvez mantenham uma relação incestuosa lésbica. Uma delas é tradutora e se embebeda diariamente para tentar suportar as dores de uma doença maligna que a destrói por dentro. A outra irmã, mãe de um garoto, aproveita as tardes quentes do verão russo para visitar bordéis e satisfazer seus desejos neuróticos de dominação e submissão.

Para falar de O Silêncio, de Ingmar Bergman, derradeira parte de sua “Trilogia do Silêncio”, é bom voltar ao ano de 1964, quando os estudantes atearam fogo em Paris. Só durou duas semanas o qüiproquó, mas os reflexos, como todos sabemos, foram muitos e duradouros. Já teria valido a pena só por ter dado assunto a tantos ótimos filmes. Talvez outro ótimo reflexo foi ter impedido a premiação do Festival de Cannes daquele ano – é brincadeira.

O ano 1964 entraria para a história de qualquer forma, pois foi a o ano de Bande à Part (Jean-Luc Godard), Gertrud (Carl Dreyer), Marnie, Confissões de uma Ladra (Alfred Hitchcock), Uma Mulher Casada (Jean-Luc Godard), O Esporte Favorito dos Homens (Howard Hawks), Deserto Vermelho (Michelangelo Antonioni), A Terra do Sonho Distante (Elia Kazan), O Silêncio (olha ele aí!) e Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (ambos de Ingmar Bergman), além de O Criado (Joseph Losey, para muitos, a sua obra-prima). Essa é, pela ordem, a lista dos dez melhores filmes do ano feita pela revista francesa Cahiers du Cinéma, então a maior referência cinematográfica mundial.

Mas havia muito mais: Os Guarda-Chuvas do Amor (Jacques Demy), Um só Pecado (François Truffaut), Caravana de Bravos (John Ford), Dr. Fantástico (Stanley Kubrick), Minha Bela Dama (George Cukor, que venceu o Oscar), Diário de uma Camareira (Luis Buñuel na França), o magnífico A Mulher de Areia (Hiroshi Teshigahara), Crepúsculo de uma Raça (John Ford) e até Os Reis do Iê-Iê-Iê (Richard Lester). E olha que só usei a Cahiers de fonte, tem muito mais.

Pois O Silêncio foi eleito o oitavo melhor filme do ano com concorrência pesada, inclusive o diretor, pois o próprio Bergman entrou no duro páreo com outro de seus filmes, Para Não Falar de Todas Essas Mulheres. O cineasta sueco estava no auge do prestígio, já havia ganhado Cannes e o Oscar (esse, duas vezes), gozava de fama internacional (os cinéfilos brasileiros devoravam seus filmes com fervor quase religioso, um paradoxo) e garantido seu nome na história.

Bergman desenvolveria tema semelhante, do embate entre mulheres que psicologicamente se imiscuem, com insuperável maestria no seu filme seguinte, Persona (66), ou mesmo numa de suas obras-primas, Gritos e Sussuros (73). Bergman repetia os temas, mas são as variações deles que realmente importam. Em O Silêncio, é impossível saber qual das irmãs é projeção da outra, qual seria a verdadeira ou quem é o ego liberado da primeira, se a reprimida intelectual ou a liberada fútil. No duelo verbal, confrontadas, ambas se aniquilam. Cada uma quer ser uma parte da outra, têm inveja, mas não suportam as limitações.

Em resumo, falar de O Silêncio é, portanto, falar de um tempo mítico em que o cinema não era uma diversão, mas a legítima representação artística do que pensava, ansiava e esperava toda uma geração. O ideal marxista de 64 provou-se inviável e foi suplantado pela democracia capitalista. Os filmes, porém, resistiram ao tempo. O Silêncio tem os excessos da época e não supera as duas primeiras partes da “Trilogia do Silêncio”: Através de um Espelho e Luz de Inverno. No entanto, não há espaço hoje para esse tipo de filme; não são mais feitos. Eles são, como o ideário daquela época, apenas utopia.


fonte: (cineplayers.com)



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Muito, muito foda. alguns "bergmaníacos" acham o filme raso demais, mas faz tempo que não vejo nada tão perturbador no cinema. Assisti e indico.






13 de abr. de 2008

.pequena crônica estética.

E foi assim, de uma só vez, que a Margarida passou a comer menos, e menos (e menos) – até morrer e ser enterrada com pompas, sem uma causa certa de sua precoce morte. Explicações lógicas e místicas à parte, fora transferida anos depois – em esqueleto – para um ossuário ante a insistente consternação dos parentes ditos próximos.

Os mistérios da vida, pronunciados como inexoráveis, parecem ser tão simples quando um fato desmistifica o outro e assim sucessivamente: as ações se encandeiam. A pobre Margarida, que de pobre não tinha nada, queria era ficar com o corpitcho de esqueleto que agora putrefata ostentava. E deixou de comer, e deixou de comer, e morreu desejosa por uma suculenta lasanha.

E, dito isto, assim se foi. Objetivo consumado, parentes perdidos no meio da vida sem entender os mistérios que a circundam, tudo prosseguindo etc e tal.

E assim foi que a vida continuou, com os fartos almoços de domingo em família e a Margarida mofando no salitre dos vermes, arrependida por ter morrido de fome e não de plástica – teria dado bem menos trabalho.