10 de mai. de 2008

.indico: a gaivota, grupo piollin.


Super sério: há exatos quase dez anos, assisti na primeira fila do teatro Apolo, em Recife, sozinho, a peça mais linda e impactante que já vi em toda minha vida. Chamava-se Vau da Sarapalha e eu não sabia se ao final enxugava as lágrimas ou se conseguia raciocinar algo ou aplaudir fervorosamente.

O grupo responsável por tal façanha? O Piollin, da vizinha Paraíba... eis que agora voltam amanhã à cidade para apresentar um novo espetáculo, A Gaivota (sim, o clássico russo de Tchécov).

Segundo o site do grupo, a opção pelo espetáculo de Tchécov, que narra os conflitos de um jovem escritor, foi uma decisão de contrariar a tendência das companhias nordestinas de buscar constantemente conteúdos regionais. O grupo, voltado para a criação de novas linguagens cênicas e para a inclusão social, decidiu quebrar a hegemonia dos clássicos, geralmente encenados por artistas das regiões Sul e Sudeste.

O texto de Tchekov utiliza o ambiente teatral para expressar sentimentos comuns a todos os artistas, sempre em volta com as complexidades e dúvidas advindas de seu processo criativo. A metalinguagem usada, porém, está longe de interessar apenas àqueles mais familiarizados com as questões teatrais, pois os conflitos dos personagens criam uma ligação direta com o leitor/espectador ao mesmo tempo em que apresenta uma visão profunda de uma sociedade cada vez mais vulnerável aos males existenciais.

Em completa sintonia com o texto, Haroldo Rego trata destas questões em uma releitura aguçada, a partir de criativas soluções estéticas encontradas para manter um diálogo com as inquietações formais contidas em Tchekov. Neste ponto, já foi bem observado o minimalismo contido nos elementos cênicos da encenação, a começar pelo uso fascinante de um ventilador e um saco transparente de supermercado.

Não se trata de um experimento hermético e 'moderninho'. O vigor da peça está justamente na forma sóbria que o grupo lida com o texto, incorporando elementos contemporâneos sem diluir a força dos conflitos da trama. Privilegiando uma estrutura quebrada, em blocos, a 'história' é intercalada por pausas narrativas que quebram a 'ilusão de realidade' da peça e coloca o espectador num espaço-tempo não determinado.

O texto, rico em poeticidade e imagens, é encenado com paixão e frescor pelos experientes atores em cena (Ana Luisa Camino, Buda Lira, Everaldo Pontes, Nanego Lira e Paulo Soares). Essa leveza nos permite encarar uma metáfora possível para o nome da peça. 'A gaivota' representa uma harmonia estética natural, algo incompatível com a frustração encarada pelo personagem central da trama, principalmente se lembrarmos o único trecho em que a 'gaivota' é mencionada, e sua presença sugerida, no palco.

O espetáculo, que estreou em João Pessoa em setembro de 2006, passou pelo Riocenacontemporânea,em outubro de 2006 e participou também da IIa. Mostra Latino-Americana de Teatro em maio de 2007, além de ser sensação no último Festival de Teatro de Curitiba. O Piollin Grupo de Teatro comemora com esta montagem trinta anos de atuação juntamente com o seu Centro Cultural Piollin, ex-Escola Piollin, que abriga as atividades do grupo e ações no campo da arte e da educação voltadas para crianças, adolescentes e jovens de camadas populares da cidade.



No Hermilo, Às 20h.